Manaus precisa de infraestrutura, diz Jaime Kuck.

Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas comenta sobre mobilidade urbana na capital


No dia 8 de novembro comemora-se o "Dia Mundial do Urbanismo", e para falar sobre as questões de mobilidade urbana e da importância do planejamento integrado na capital amazonense, o Jornal do Commercio entrevistou o presidente do CAU/AM (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas), Jaime Kuck.

“O pouco que temos de planejamento urbano em Manaus é equivocado ao separar mobilidade urbana, transporte coletivo do projeto urbano, sinal visível da ausência do urbanista, ausência do planejamento integrado quando o caos se instala rapidamente”. Na avaliação de Kuck população está desenvolvendo uma cultura que valoriza a arquitetura e urbanismo, o que “faz muita diferença”.

No entanto, a cidade necessita de fortes políticas públicas para sanear o caos urbano. “Enfim, precisamos de um grande projeto urbano integrado, para 15 ou 20 anos, de políticas de Estado e não políticas eleitoreiras de curto prazo que idiotizam nossa população e lhe nega o direito de uma cidade melhor”, disse Kuck durante a entrevista, que você leitor do JC, na íntegra.

Jornal do Commercio: Qual a sua visão, como arquiteto e urbanista, sobre a cidade de Manaus e a mobilidade urbana? 


Jaime Kuck: A mobilidade urbana é um item fundamental no planejamento urbano e no desenho de projetos urbanos. A mobilidade é resultado, mas também vetor que estimula ocupação. O pouco que temos de planejamento urbano em Manaus é equivocado ao separar mobilidade urbana e transporte coletivo do projeto urbano. Vejam o caso da avenida da Torres: Não veio acompanhada de um projeto nem de integração com a malha urbana do entorno, particularmente, o viaduto do Coroado, muito menos do planejamento do uso e ocupação de seu entorno linear imediato. O caos se instala rapidamente.

JC: O que deve ser feito de imediato para minimizar os efeitos caóticos no trânsito?


JK: Manaus hoje tem aproximadamente 40 veículos para 100 habitantes, Curitiba tem quase o dobro. Porém o trânsito lá, apesar dos problemas, não é pior. Houve planejamento urbano integrado com planejamento de transporte. Não há como desvincular. Precisamos urgentemente do "BRT ou BRS" ou o antigo expresso. Precisamos de melhorias no transporte coletivo, não há outra alternativa. Porém, isso dificilmente acontece. Caiu o IPK, ou índice de passageiros por quilômetro. A cidade se espalhou exageradamente, aumentaram as distâncias e o custo de operação do sistema de transporte. 

O empresário diminui o número de ônibus, diminui a frequên-cia, e superlota o ônibus para minimizar custos. Novamente é sinal visível da ausência do urbanista, ausência do planejamento integrado, é pensar transporte independente de densidades, independente das características do uso e ocupação do solo e da qualificação do espaço urbano em geral.

JC: Manaus deveria ser um exemplo de arborização, já que é considerada a capital da Amazônia, mas sofre com as intempériesclimáticas agravadas pela ausência de árvores nativas, que além de oxigenar a cidade também são potenciais espaços com sombras naturais. Como resolver esse paradoxo? 

JK: Já temos um Plano Diretor de arborização. Uma conquista da sociedade. Precisa ser implementado urgentemente. A árvore tem relação direta com a melhoria do microclima urbano. Temos diferenças de até 6 graus na temperatura em diferentes espaços intra-urbanos. Porém, mais importante do que simplesmente arborizar é estabelecer prioridades. A prioridade é a conservação e recuperação das matas ciliares que ficam ao longo dos igarapés. Se nós mantivermos os igarapés limpos, com a mata ciliar recuperada garantiremos uma temperatura mais amena nas partes mais baixas da cidade. Assim, temperaturas mais amenas nas partes baixas da cidade e temperaturas mais altas nas partes mais altas da cidade através de ocupação mais intensa sem grandes barreiras provocam micro ventilações que melhorarão o ambiente urbano. Porém, asfaltar os fundos de vale, acabar com a mata ciliar, mesmo com intensa arborização das grandes vias nos divisores de água, a melhora será insuficiente.


JC: Ainda é possível reverter o nível de poluição dos igarapés e fazer com que se integrem à mobilidade urbana como vias de transporte público? 


JK: Precisamos de infraestrutura: de tratamento de esgoto, de drenagem, conservação e recuperação radical das matas ciliares. Depois disso uma política pública de incentivos para a população interligar sua fossa nessa rede de esgoto. Enfim, precisamos de um grande projeto urbano integrado, para quinze ou vinte anos, de políticas de Estado e não políticas eleitoreiras de curto prazo que idiotizam nossa população e lhe nega o direito de uma cidade melhor.

JC: O Programa do governo do Estado Prosamim, teria a missão de sanear as áreas degradadas do leito dos igarapés e do rio Negro, mas os esgotos continuam sendo depositados diretamente nos igarapés, sem tratamento sanitário. Como solucionar essa questão?

JK: O Programa Prosamim tem seus méritos. Apresenta-se como um programa de saneamento ambiental cujo resultado residual é habitação. Mas a rigor não é nem um programa ambiental nem habitacional, mas de saneamento social da paisagem urbana visível. Não é um programa ambiental, não recupera a necessária mata ciliar dos igarapés, mas é uma forma econômica de ampliar a rede viária sem desapropriações, nos fundos de vale aquecendo ainda mais a temperatura da cidade. Não é um programa habitacional porque grande parte da população afetada, particularmente no Prosamim 3, é deslocada para programas habitacionais de periferia, longe de tudo e de todos. Somente no "Viver Melhor" temos em torno de 3.000 pessoas com deficiência segregadas da vida urbana num espaço sem oportunidades de comércio, serviço e emprego. Eu preferiria não ganhar nada do governo e morar numa palafita próximo ao Centro, mas ter meu emprego, progredir e conseguir resolver meu próprio problema de habitação sem ser enganado e jogado na periferia, tendo meu destino de pobreza selada para sempre.

JC: Manaus ainda pode se transformar numa capital sustentável? 

JK: Manaus tem potencial para ser a capital ecológica do mundo. Temos os igarapés, os rios, a mata, temos tudo e temos uma população que está crescendo intelectualmente e economicamente e que não vai mais se conformar com a incompetência e exploração desmedida. A população está desenvolvendo uma cultura que valoriza a arquitetura e urbanismo e isso faz muita diferença.

JC: Quais são as suas sugestões para que Manaus venha a se tornar uma cidade inteligente?

JK: Também considerando que este campo é muito vasto. Bom transporte coletivo, espaços convidativos que levem as pessoas a sair da clausura, se encontrar. Precisamos evoluir da city para a pólis grega onde se discutiam politicamente os problemas da cidade.

JC: Com a sua experiência em meio ambiente e nas questões sustentáveis, existem alguma maneira de educar a população no sentido de zelar pela cidade, com pequenas atitudes, como por exemplo: não jogar o papelzinho de bala ou chiclete no chão; recolher o cocô que os animais de estimação fazem nos passeios públicos; não pichar os muros e paredes; não urinar nas calçadas e árvores das praças, etc., pequenas atitudes que fazem a diferença no dia a dia da cidade? 

JK: Nossas crianças já sabem disso. A educação ambiental é fundamental. Mas ao lado precisamos melhorar nossas condições econômicas que nos deem condições de rejeitar ações, produtos e projetos aparentemente mais baratos e sem qualidade e fazer escolhas pela qualidade e impactos positivos ao meio ambiente urbano.

JC: Na época do governo de Eduardo Ribeiro, as ruas eram lavadas com vassouras mecânicas importadas da Europa, com a finalidade de manter a cidade aprazível, além de combater as doenças epidêmicas, transmitidas por bactérias ou vírus suspensos no ar. Mas hoje, em pleno século 21, a cidade está entregue às baratas e aos animais peçonhentos. É como se estivéssemos vivendo sobre um imenso depósito de lixo. Como resolver esse paradigma urbano?

JK: Na época não existia apenicilina. O rico era afetado pela falta de higiene do pobre. Por isso se fez grandes obras de infraestrutura. Se imperasse de fato a democracia o bem-estar da maioria estaria garantido, é esta maioria que mais sofre com a falta de qualidade do ambiente urbano.

JC: Fala-se muito no Plano Diretor e Urbanístico de Manaus, mas pouco foi posto em prática, diferente de outras capitais. O que falta para Manaus implementar o seu Plano Diretor?

JK: Plano Diretor é apenas diretor, não faz nada quando não tem nada para dirigir. Precisamos de investimentos e projetos urbanísticos que obedeçam: o Plano Diretor, Plano Urbanístico para a orla do rio Negro, para o Puraquequara, para zona Leste e Norte, para toda a cidade. Não temos grandes projetos, não temos grandes coisas, temos pouco futuro.

JC: É viável para o cartão de visitas de Manaus abrigar um porto com movimentação de cargas, como é o Roadway? 

JK: Há um projeto de porto de cargas para o Centro. Um projeto que ninguém conhece. Que não foi discutido com ninguém. Podemos ter um grande projeto dentro de nossa vocação urbana central que é o comércio varejista que atende o interior por transporte fluvial. Mas ele precisa estar integrado com a vida e malha urbana. Gostaríamos de ver um grande projeto urbanístico fruto de um concurso internacional.

JC: Como o senhor vê as ciclovias e as faixas liberadas em Manaus?

JK: Ciclovias são importantes e não devem ser construídas apenas para "inglês ver". Precisam ser viáveis, integradas, confortáveis e seguras, com sombreamento, áreas de descanso, integração com outros modais de transporte. Não são apenas importantes sob o aspecto do lazer, sustentabilidade e saúde, mas também sob o aspecto econômico. É uma alternativa de locomoção para distâncias para a população que sente o peso do custo do combustível e passagens dos ônibus. Porém, além das ciclovias precisamos desenvolver uma cultura de respeito ao ciclista e convivência pacífica dos diferentes modos de transporte em determinadas áreas estrategicamente definidas.

JC: Qual é o grau de desenvolvimento sustentável em Manaus?

JK: Creio que nem tudo está perdido, porque a população tem demonstrado positivamente que quer se desenvolver de forma sustentável. Não somos mais uma cidade provinciana.


Fonte: Portal Amazônia
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