Arquitetura e Mobilidade Urbana.

O Brasil tem muito que se criticar. Mas tal qual outros problemas, sua mobilidade urbana é ultrajante. É socialmente importante que haja uma melhora nesse antro e temo dizer que a interdependência entre essa solução e a arquitetura seja imensa. Então, faço um breve questionamento sobre atuais problemas e argumentações nessa esfera tão diversificada que é a própria arquitetura e suas ligações ambientais e socioeconômicas com o ambiente urbano.

Há muito tempo, o Brasil é um país que sofre frequentes surtos nas mais variadas estâncias de sua existência. Sejam populacionais, estruturais, econômicos ou políticos, há uma série de desencontros e atropelos pela história de nossa majestosa nação. Dentre eles, podemos destacar, agora, a mobilidade urbana e a falta de planejamento no surgimento ou criação das grandes cidades (e até mesmo as menores) daqui. O que é um problema enorme, gerador de um efeito dominó que, pasmem, nos afeta diretamente todos os dias. E tudo pela “desimportância” que é dada a um bom planejamento urbano.

Sabendo que a somatória do contingente de carros das 12 principais capitais brasileiras supera a casa dos 20 milhões (quase a metade do total nacional), é urgente salientar o perigo que esses números trazem à sociedade brasileira. Tanto pelo estresse de congestionamentos que extrapolam os 290km, quanto pelo fato de ser extremamente prejudicial ao meio ambiente, principalmente no que tange a questão da emissão de gases intensificadores do Efeito Estufa. [Que, inclusive, faz ligação com outro assunto que falarei futuramente. No caso, “A Arquitetura como um Futuro Sustentável”]

Mas, afinal, em que isso se relaciona com a arquitetura, de modo geral? Simples: as cidades nada mais são que grandiosos projetos arquitetônicos. Porém, muitas vezes nascem sem planejamento. Ou, se o fazem, ele é produzido com bases totalmente inversas às reais necessidades da população. Geralmente, esses projetos são estratificados em interesses políticos, privados, econômicos... Enfim, uma série de motivos obviamente não beneficiários ao interesse público. E dentro dessa perspectiva, é fácil notar a divergência entre as ações daqueles que procuram privilegiar a população como um todo e os que apenas buscam beneficiar seus interesses próprios. Hoje, um grande exemplo disso é a cidade de São Paulo, que programou a construção de ciclo faixas pela metrópole e sofreu inúmeros ataques de cunho político e, diga-se de passagem, asqueroso.

Naquela cidade, há praticamente 7 milhões de veículos circulando todos os dias pelas ruas. E são notáveis as dificuldades que a população enfrenta na questão da mobilidade, mesmo que haja (pouquíssimos) programas que tentam amenizar essa situação. Como carro-chefe, temos o rodízio das placas dos automóveis que, dependendo do dia da semana, não poderão rodar pela cidade. Mas, ainda assim, é praticamente irrelevante se comparado aos outros milhares de problemas não resolvidos. E há, de fato, uma série de medidas que poderiam ser facilmente tomadas. Exatamente como a construção das ciclo faixas. Obviamente, não é a solução. Mas faz parte dela. Assim como a melhoria da qualidade dos outros transportes público-coletivos, sendo eles ônibus, metrôs, BRTs, trens e vários mais, tal qual a necessidade, também, da maior facilidade para o pagamento desses serviços, visto que seus maiores utilizadores são e seriam a população das camadas de menor renda. Assim como outras questões que afetam (in) diretamente a população. Como a segurança, cuja falta incentiva à aquisição de veículos pessoais e, consequentemente, aumenta o contingente de automóveis da cidade. O que é exatamente o contrário do que a boa mobilidade urbana pede. Ou seja, quanto menos houver a necessidade de utilizar carro, melhor.


Uma informação que é escondida diversas vezes do pensamento popular é que o país Brasil não foi “gerado” para ter o transporte automobilístico como o principal. Suas configurações geológicas, hídricas e socioeconômicas propriamente ditas não são compatíveis para esse processo. Digo, não para que seja o principal, como é tido no imaginário brasileiro. Acreditem se quiserem, os processos de transporte a longas distâncias no Brasil seriam muito mais eficientes se feitos por rotas ferroviárias e/ou fluviais. Nada que prestar atenção nas aulas de Geografia não resolva. Porém, como sempre, tudo aqui dentro é feito com grandes interesses pessoais por trás. E tudo isso se iniciou mais especificamente no governo JK, quando ele (esse queridão) abriu as portas do nosso país para o capital e a indústria estrangeira, sendo a principal delas a automobilística. E, assim, iniciou-se o processo de péssima organização e mobilidade urbana nos grandes centros brasileiros, visando atender, mais uma vez, os interesses privados. Mas isso são questões históricas que, apesar de maravilhosas, não serão abordadas nessa matéria.

E sem esquecer, também, daqueles que não possuem rodas: nós mesmos. Como seres humanos, somos todos pedestres. E esses são uns dos que mais sofrem com a falta de fluidez das calçadas e harmonia entre essas e o asfalto. Tal como as ciclo faixas, as calçadas são elementos essenciais para a boa movimentação, já que se forem estreitas demais, dificultam a circulação de pedestres; e se forem largas demais, pressionam o trânsito. Mas não há como negar que, mais uma vez, quanto menos houver a necessidade de usar carro, melhor. Ou seja, as necessidades dessa categoria, com certeza, não deveriam ser a prioridade de quem necessita da melhoria na mobilidade. Então, seria urgente que houvesse uma série de medidas tomadas para o benefício dessas pessoas que não utilizam nenhum meio veicular para se locomover, tal como a injeção de projetos e/ou leis que intensifiquem as formas de atender esse público. Seja na manutenção e qualificação das calçadas, a exemplo da ampliação e arredondamento das esquinas para que haja menor espaço na travessia pela faixa dos pedestres ou a introdução das faixas elevadas semelhantes às lombadas, que obrigariam os motoristas a desacelerarem, diminuindo, assim, as chances de atropelamento em ambos os projetos. Mas quando falo de pedestres e pessoas que utilizam os meios de transporte público, não posso deixar de citar a acessibilidade e adaptação para as pessoas com deficiência física, auditiva e visual. Esses cidadãos costumam ser os menos atendidos por essas questões, já que, num geral, falta a adaptação na maior parte das cidades brasileiras. E quando é possível vê-las (as adaptações), quase sempre estão apenas nos bairros mais nobres ou em pequeníssima parcela das vias públicas. Adaptações essas que são, por exemplo, para os cadeirantes, as rampas e elevadores; para os deficientes visuais, as faixas com textura e cor para facilitar o percurso, bem como o afastamento de obstáculos no caminho, como postes e placas, e a instalação de semáforos sonoros; e para os deficientes auditivos, mais alarmantes visuais e luminosos.

Então, tendemos a concordar que existe, sim, a necessidade de se dar mais atenção aquilo que chamamos de “coisa boba”, muitas vezes: o planejamento. Lembrem-se sempre que grandes cidades não surgem do nada. Ao menos, não como um padrão. E um país é feito de cidades. As gigantes que devem dividir sua paisagem entre o verde e o cinza são, basicamente, o cartão de visita de um país organizado e bem desenvolvido. E a primeira coisa a se observar é a própria capacidade de se deslocar com paz e tranquilidade, observando calmamente a paisagem e, então, refletir sobre a vida. Aqui, faço a síntese de todo esse paradigma que é a mobilidade urbana e o quão entranhada em nossas vidas ela está. Mas veja bem, essa é a visão de alguém que acaba de conhecer o mundo e que utiliza a observação e a paixão pela arquitetura como base de suas teses em vez do simples conhecimento técnico (que, ironicamente, ainda não possui) ou questões políticas. Ouso salientar, mais uma vez, que a necessidade de ter esse olhar sobre a urbanização do nosso amado país é gigantesca. E que está diretamente ligada às questões sociais que, a meu ver, são as mais importantes no antro nacional. E parece-me que a parte mais bonita de viver na cidade é a própria mobilidade. Pois, como já dizia alguém, a beleza da vida está naquilo que liberta, que é bonito por si livremente. Pois, queridos, o movimento se caracteriza como substância mor da cidade, uma vez que a cidade é movimento e movimento é vida.


Fonte: obvious
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