Quando Janette Sadik-Kahn assumiu a Secretaria de Transportes de Nova York, em 2007 a convite do prefeito Michael Bloomberg, sabia que teria uma missão inédita. Colocar em prática o primeiro plano de crescimento elaborado pela cidade, o PlaNYC, com diretrizes de sustentabilidade para reduzir em 30% o nível de emissões de gases de efeito estufa e preparar a Big Apple para um milhão de novos residentes até 2030. A mobilidade sustentável foi peça-chave para a transformação que levaria Nova York a um novo patamar em liderança ambiental.
De lá até 2013, fim de seu trabalho na secretaria, Sadik-Kahn liderou projetos que mudaram a lógica de deslocamento, dando prioridade a pedestres e ciclistas, com soluções rápidas e baratas. Com mobiliário provisório e tinta, regiões emblemáticas da cidade, como Times Square, foram fechadas para carros, o que gerou mais segurança e aumentou o convívio nos espaços públicos, além do fomentar o comércio local. “Até os nova-iorquinos foram a Times Square”, brincou a especialista, durante palestra noFronteiras do Pensamento, este mês, em Porto Alegre.
As calçadas foram melhoradas, ganharam bancos, cadeiras de praia e locais com sombra. A infraestrutura para o transporte coletivo e por bicicletas também teve atenção especial: foram implementadas novas rotas de ônibus em faixas exclusivas, inaugurado o maior sistema de bike-sharing dos Estados Unidos, e construídos 600 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas. A arte também compôs a estratégia para a construção de ruas mais seguras e vibrantes, com o incentivo aos artistas locais para deixarem sua contribuição em tinta, música e outras manifestações culturais.
Atualmente, Janette Sadik-Kahn é Presidente do Strategic Advisory Board da National Association of City Transportation Officials e Diretora de Transportes da Bloomberg Associates, onde lidera projetos rápidos e de baixo custo ao lado de prefeitos de diversas partes do mundo para qualificar as ruas urbanas. A especialista visitou o escritório do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, em sua viagem ao país. Acompanhe a entrevista exclusiva:
Por que é importante investir em transporte sustentável nas cidades?
As cidades do futuro, as cidades que vão crescer e prosperar são aquelas que oferecem opções saudáveis de deslocamento às pessoas. Facilitar a caminhada, o ciclismo, tornar mais fácil o acesso ao ônibus, trem ou VLT são as estratégias que criam cidades de classe mundial. No século 21, as pessoas podem ir a qualquer lugar. Então, criar uma cidade que ofereça opções acessíveis para se locomover torna o deslocamento em si mais agradável. Essa é a receita para o sucesso, em uma época de competição global.
De qual medida implementada em Nova York você mais se orgulha e por quê?
É como me perguntar qual meu filho favorito. Não há uma estratégia específica. Assim como não há apenas um projeto. É parte de um plano abrangente para transformar a cidade de Nova York. O prefeito Bloomberg lançou o PlaNYC, um plano de sustentabilidade de longo alcance. Neste plano, trabalhamos sobre as estratégias que precisávamos para garantir que, quando tivermos mais um milhão de pessoas em Nova York, em 2030, tenhamos uma cidade em que as pessoas gostem de viver. Uma cidade que seja segura, acessível, com uma boa educação e baixos índices de criminalidade. Todas estas estratégias estavam delineadas neste plano. E um grande componente do plano foi a mobilidade sustentável. Portanto, a criação de uma rede de bicicletas de alto nível, assim como uma rede de BRT, a criação das ruas mais seguras possíveis. E a criação de ruas e calçadas agradáveis para as pessoas aproveitarem, se divertirem. Todos esses projetos e programas são parte deste plano de abordagem abrangente para nossas ruas, olhando para elas a partir do zero.
Como você enfrentou a oposição e engajou a sociedade neste processo?
Sempre que você alterar o status quo, ele vai responder. Quando você altera o status quo, o status quo revida. Então, parte disso foi o que mencionei sobre o PlaNYC. É juntar as pessoas da cidade em torno de uma visão comum sobre o que eles querem para suas ruas, qual aparência elas querem para sua cidade e como elas querem que a cidade seja. Portanto, quando esses cidadãos abrirem suas portas daqui a trinta anos vão gostar do que estiver lá. A estratégia é uma das peças mais importantes. A outra peça é manter o diálogo com a vizinhança, comerciantes locais e comunidades durante a realização das mudanças. Fosse uma praça ou uma ciclovia, nós íamos de porta em porta falar com todas as pessoas ao longo da ciclovia. Esse tipo de envolvimento constante com a comunidade é um componente crítico para o sucesso.
As cidades brasileiras enfrentam falta de investimento em todas as áreas, mas a experiência de NY mostra que mesmo grandes transformações podem ser feitas com pouco dinheiro. Qual conselho você daria para os líderes de cidades brasileiras?
Os nova-iorquinhos, assim como os porto-alegrenses e outros integrantes de cidades brasileiras, estão cansados de esperar por mudança. Eles esperaram muitos anos. Tantas coisas mudaram nas cidades, e ainda assim as ruas não mudaram. Então, há uma incrível oportunidade de trabalhar rapidamente para realizar mudanças que alterem os espaços com certo imediatismo. E você pode fazer isso. Não demora décadas e não são necessários milhões de dólares. É preciso tinta, mesas e cadeiras, e é preciso ter uma visão para o que você quer que a cidade seja. Por isso, ter uma estratégia para uma cidade mais caminhável, mais habitável e mais saudável é o ponto de partida. E imediatamente depois, mostrar para as pessoas o que isso significa e o que pode significar, com a criação dessas vitrines, esses convites para as pessoas usarem suas cidades de uma maneira nova e tornar mais fácil e acessível para se locomoverem. Esse é o ingrediente secreto.
Qual a importância de ter organizações como a Bloomberg Associates e WRI trabalhando junto a líderes municipais ao redor do mundo?
A Bloomberg Associates, o WRI, ou seja, a comunidade do terceiro setor é essencial e catalizadora de mudanças que precisam acontecer em um nível primário. Também celebram as melhores práticas: o que funciona? E, principalmente, o que não funciona? Então, fornecem a orientação e a assistência técnica que podem ajudar as cidades a avançar e ir do planejamento para a realidade nas ruas.
Fonte: WRI Brasil Cidades Sustentáveis
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