Bicicleta deve ser uma opção de transporte e não só de lazer


Entrevista feita por RAFAEL WALTRICK
Tatiana Gadda, urbanista PhD em Ciências Ambientais Humanas e da Terra.
Tatiana Gadda estudou o ciclismo utilitário em Curitiba no início dos anos 2000: “O cidadão deve ter o direito de optar pelo modal que melhor lhe convier”
A arquiteta e urbanista Tatiana Gadda, professora do Departamento de Construção Civil da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), desenvolveu entre 2000 e 2002 na Royal School of Technology, na Suécia, a primeira dissertação sobre o tema do ciclismo utilitário em Curitiba. O estudo apresentou um plano físico de inserção da bicicleta na malha cicloviária de Curitiba, por meio da análise de acidentes de trânsito envolvendo ciclistas.
Após a pesquisa, ela permaneceu no exterior por cerca de dez anos. O retorno a Curitiba, porém, não foi tão empolgante quanto imaginava. “No meu retorno, infelizmente, não vi nenhum avanço significativo na infraestrutura cicloviária da cidade”, diz. Mesmo assim, avalia Tatiana, as perspectivas são positivas. Para a pesquisadora, houve avanços no cenário das políticas de mobilidade e a bicicleta, enfim, passou a ser tema de debate e propostas públicas.
Quais foram as principais recomendações e pontos do seu plano de inserção da bicicleta em Curitiba?
O que norteou as propostas foi o próprio planejamento da cidade. Em áreas pouco densas, onde há menor demanda por transporte público, os pontos de ônibus estão a distâncias maiores do que em áreas com maior demanda. A frequência dos ônibus é também muito mais espaçada. Esse quadro propicia o uso da bicicleta para deslocamentos curtos dentro da área e no entorno. Já em áreas com muita densidade, como é o caso dos eixos de transporte de massa, existe também a necessidade de inserção da bicicleta. O cidadão deve ter o direito de optar pelo modal que melhor lhe convier para acessar os pontos de interesse e atração, e a bicicleta deve estar entre as opções.
Qual foi a avaliação da infraestrutura cicloviária da cidade feita na época?
A estrutura cicloviária se apresentava bastante deficiente principalmente para os usuários do ciclismo utilitário, pois a cidade pensava a bicicleta como meio de lazer. A estrutura cicloviária era implantada onde era fácil fazê-la e apresentava poucos equipamentos para estacionamento. Além disso muitos trechos de ciclovias estavam em péssimas condições de conservação.
Você afirma que – praticamente uma década após essa constatação – pouco ou nada mudou...
Sim, de tangível pouco mudou nesse espaço de tempo na cidade, mas a consciência sobre a bicicleta ser um modal que acrescenta opção no sistema viário aumentou muito. Acredito que essa é a mudança fundamental. A solução física será uma consequência, pois a pressão popular, que há dez anos não existia, agora existe. O público que alterna as opções de modal e que quer mais espaço para o uso da bicicleta tem crescido e não é um movimento só em Curitiba.
A bicicleta terá como escapar da sombra de outros modais ou sempre ficará em segundo ou terceiro plano frente a opções como carros e ônibus?
Temos tradicionalmente considerado a bicicleta como veículo de brincadeira ou para as camadas com rendas mais baixas. Em uma sociedade onde o “ter” ganha espaço sobre o “ser” e o “fazer”, não é surpreendente que um maior status seja dado àqueles que estão motorizados. Mas existe um movimento que, justamente ao se deparar com isso, vai na contramão e manda a mensagem de que andar de bicicleta é “cool”, pois significa que você é consciente e age sobre a sua saúde, o meio ambiente, a desumanização do trânsito. A bicicleta será, sem dúvida, mais amplamente utilizada a partir do momento em que a infraestrutura cicloviária seja provida adequadamente.
A cidade está no caminho para adotar a bicicleta co­­mo meio de transporte?
Em Curitiba, somos muito felizes na nossa acessibilidade como motoristas de veículos motorizados e ainda felizes como usuários de transporte público de massa ou pedestres. Mas não temos a bicicleta inserida no sistema de transporte. Isso é uma importante negligência. Porém, acredito que esse cenário está prestes a mudar pois não só a mídia vem respondendo ao forte interesse pela bicicleta, como também o poder municipal adota agora uma política clara de promoção do ciclismo utilitário. Órgãos municipais têm promovido debates e mantido um diálogo próximo às associações de ciclistas que, por sua vez, estão bastante maduras, organizadas e com capacidade de dar bons “feedbacks” às propostas da prefeitura.

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br
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