Inventada há quase dois séculos, resolve problemas muito atuais: é eficiente, saudável, ocupa pouco espaço e não polui.
por GIsela Heymann
Sair de casa para ir às compras ou ao cinema não precisa ser uma batalha com o trânsito, com as poucas vagas de estacionamento ou, ainda, com a demora e a lotação dos ônibus. Pelo menos não é na Holanda, onde 14 milhões de habitantes se deslocam a bordo de 11 milhões de bicicletas. Ali, mesmo nos dias frios e chuvosos, a maioria das pessoas prefere deixar o carro, na garagem e usar o mais barato, limpo e eficiente meio de transporte já inventado. Cada holandês pedala em média 643 quilômetros por ano, ao longo dos 8 mil quilômetros de ciclovias construídas no seu pequeno país. Outros povos também usam a bicicleta como principal meio de transporte. A gigantesca China, primeiro produtor mundial, fabrica por ano nada menos que 28 milhões de bicicletas, um número maior que toda a frota brasileira, estimada em 23 milhões.
Mas por que uma máquina tão simples, que sofreu poucas modificações desde sua invenção há quase duzentos anos, continua tão popular no mundo inteiro? Não é para menos. O ciclista gasta menos energia que o homem a pé, o automóvel, ou mesmo o avião, para percorrer a mesma distância. Essa duradoura história de sucesso começou com o conde francês Sivrac, que em 1790 construiu o que alguns historiadores consideram o mais antigo ancestral da bicicleta moderna. O celerífero, como se chamava, significando trans porte rápido, era apenas um pedaço de madeira ligando duas rodas. Com os pés, impulsionava-se a engenhoca.
E claro, havia alguns inconvenientes, como o fato de não se poder dirigi-la, já que a roda dianteira era fixa. Mais criativo foi outro aristocrata, o alemão Carl Friedrich Ludwig Christian, barão Orais von Sauerbronn (1785-1851), que já tinha uma larga experiência com inventos. Pacato inspetor florestal, que nas horas vagas se dedicava a fabricar o que parecia na época pura maluquice, como máquinas de escrever e metralhadoras, ele foi o primeiro a construir um biciclo dirigível, em 1816. A máquina de correr, como a chamava, ficou conhecida como draisiana.
O barão Orais apresentava o invento com anúncios que hoje parecem alusões precursoras à moda aeróbica: "A draisiana é perfeita para manter-se em forma, adequada para a saúde, a diversão; para fazer muito exercício de forma agradável, com pouco esforço, em pouco tempo". Mesmo em sua época, constatar tais benefícios não era difícil, já que as exibições públicas tinham-se tomado freqüentes. Numa delas, o barão percorreu em apenas quatro horas os 50 quilômetros entre as cidades de Karlsruhe e Kehl, na Alemanha. Em outra, encantou os franceses, nos jardins de Luxemburgo, em Paris. Assim também reagiriam mais tarde os ingleses e os americanos. Próspero, Orais resolveu montar uma fábrica, que no entanto nem chegou a abrir as portas. Bonachão e ingênuo, o barão perdeu todo o capital para fornecedores e empregados.
Além disso, os concorrentes que ofereciam draisianas a preço mais vantajoso foram aos poucos ganhando espaço. Oesprezado e amargurado, Orais morreu pobre numa pensão em Karlsruhe. Já então bastante conhecida, a draisiana só precisava de alguns aperfeiçoamentos para conquistar definitivamente a sociedade da época. Em 1838, o escocês Kirkpatrik McMiIlan (1810-1878), um humilde ferreiro do interior, fez o que Orais havia tentado sem sucesso: criou pedais que, ligados por barras de ferro ao eixo da roda traseira, movimentavam o velocípede. McMiIlan percorria com ele o caminho de 22 quilômetros entre seu povoado, Courthill, e a capital do condado, Oumfries.
Sem vocação para os negócios, McMiIlan não sabia ao certo o que fazer com o veículo, que logo foi esquecido. Pouco mais de vinte anos se passaram até que um francês, Pierre Michaux (1813-1883), voltasse a construir bicicletas com pedais, desta vez adaptados diretamente à roda da frente. Ao contrário do escocês, Pierre e seu filho e ajudante Ernest prosperaram com as michaulinas ao fundar a primeira fábrica de bicicletas do mundo. A Companhia Michaux empregava 200 operários, que produziam 140 unidades por ano. Achando que, se aumentasse a roda dianteira e diminuísse a traseira, melhoraria o desempenho das bicicletas, Michaux passou a construí-las tão altas que chegavam a causar graves acidentes. Mas isso não assustou os fanáticos da época.
Em 1869, duzentos ciclistas se apresentaram para a primeira corrida entre as cidades de Paris e Ruão, no noroeste da França. Vencedor, o inglês James Moore percorreu os 124 quilômetros em 10 horas e 45 minutos. Não deve ter sido uma tarefa fácil - basta lembrar que as michaulinas tinham, na época, o apelido de quebra-ossos. Qualquer acidente no terreno era suficiente para fazê-las pular, lançando o ciclista de uma altura de até 1 metro e meio.
Para resolver o problema, um certo inglês chamado Charles Goodyear pesquisava, desde 1836, uma forma de adaptar tiras de borracha às rodas de madeira ou metal.
Não bastasse o desafio técnico, o esforçado Goodyear teve ainda de enfrentar a feroz oposição da cara-metade, que detestava o forte cheiro da mistura de goma preparada pelo marido e, mais ainda, os altos gastos da pesquisa. Por isso, Goodyear só ousava experimentar quando se via só em casa. Certo dia, não sabendo o que fazer com o preparado quando a patroa voltou antes do previsto, escondeu tudo no forno. Foi a melhor coisa que poderia ter feito. Obteve um material que se revelaria extremamente elástico, resistente ao calor, ao frio e a diversos produtos químicos: a borracha vulcanizada. Outro inglês, WiIliam Thompson, melhorou o invento, inflando a tal borracha com ar.
Mas somente quando o veterinário irlandês John Boyd Ounlop (1850-1921) resolveu aperfeiçoar o desempenho do biciclo de seu filho, o pneu, como foi chamado, deixou de ser um acessório extravagante. Em 1878, os franceses Guilmet e Mayer adaptaram os pedais novamente à roda traseira, usando, desta vez, o sistema de transmissão, em que uma corrente de metal desliza apoiada em duas rodas dentadas, uma presa aos pedais e outra à roda traseira. Com isso, os franceses aproveitaram uma ideia concebida no século XVI por ninguém menos que Leonardo da Vinci, o célebre artista e inventor.
A partir daí, as bicicletas passaram a fazer parte da paisagem urbana. O veículo, já ·com duas rodas do mesmo tamanho, foi adotado em 1890 pelo Exército inglês. Hoje, as máquinas de correr parecem tão perfeitas que as únicas mudanças possíveis são o uso de materiais mais leves, acessórios como marchas, iluminação fosforescente e cestinhas para bagagem, que apenas adaptam cada tipo de bicicleta aos seus variados empregos. Mais aperfeiçoadas são, sem dúvida, as de corrida. Nem o barão Orais poderia imaginar que o homem pudesse correr até 100 quilômetros por hora usando suas saudáveis draisianas.
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