Arquiteto mineiro, que morou por quase 40 anos em Manaus, realizou obras inspiradas nas moradias amazônicas, mas muitas delas estão abandonadas.
Para as novas gerações de Manaus, o nome do arquiteto mineiro Severiano Mário Porto, que completa 85 anos no próximo mês, está comumente associado ao estádio Vivaldo Lima, demolido recentemente para que na área seja construído um novo espaço para sediar a Copa de 2014, fato que causou comoção em muitos dos admiradores de seutrabalho. A dimensão da obra de Severiano Porto, porém, é tão abrangente, que já merece um tratamento compatível com a estatura e a relevância de seu trabalho, extensamente premiado no Brasil e no exterior, mas ainda pouco reconhecido no Estado onde ele morou durante quase 40 anos.
Por que Severiano Mário Porto, hoje aposentado, é mais mencionado do que conhecido para a grande parte da população do Amazonas? Porque provavelmente muitas das informações sobre seu trabalho estão pulverizadas pelo tempo, sem um catálogo ou um levantamento a respeito. Duas iniciativas, contudo, planejam acabar com essa invisibilidade.
Uma delas partiu da nova direção do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/AM), que a partir deste mês pretende iniciar um levantamento sobre as obras de Severiano Mário Porto, para efetivar um diagnóstico visando, futuramente, propor o tombamento como patrimônio arquitetônico de algumas dessas obras.
A outra é o lançamento de um livro produzido pelo arquiteto e professor Roger Abrahim, previsto para ser lançado em março pela Editora da Universidade Federal do Amazonas (Edua).
Campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), prédio da sede da Suframa, sede da Aldeia Infantil SOS (ong vinculada à Unesco) sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), sede do Fórum de Justiça Henoch Reis e Centro de Proteção Ambiental Balbina (em Presidente Figueiredo), hoje em ruínas, são algumas das obras projetadas pelo “arquiteto da floresta” ou “arquiteto da Amazônia”, nome que Porto recebeu por ter concebido um modelo único que une técnicasdas moradias dos ribeirinhos e caboclos com as mais modernas e inovadoras criações da arquitetura.
Levantamento
A primeira reunião do IAB/AM para reconstruir as obras de Severiano acontece este mês, quando será montada uma comissão do trabalho de levantamento.
“Queremos reunir informações não apenas sobre a casa dele, mas de todo o seu acervo. Assim vamos ter condições de obter uma real situação de tudo que ele produziu e de como se encontram essas construções. Também queremos ver uma forma de viabilizar o tombamento e depois contar com apoio da Prefeitura, do Governo e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)”, explica Andrade.
Já o livro sobre a obra de Severiano Mário Porto está mais adiantado. Roger Abrahim diz que o trabalho vai mostrar parte da obra do arquiteto - se fosse toda a obra, o livro seria monumental, diz ele.
Abrahim pesquisou as obras e as plantas de cada uma delas, adicionando informações por escrito, além de fotografias dos imóveis, de autoria de Lula Sampaio. Entre as preciosidades mostradas pelo livro está uma cópia da planta da casa onde Severiano Porto viveu em Manaus e que foi desmontada quando ela foi vendida.
Outra obra destacada é o imóvel de madeira conhecido como “Casa de Robert Schuster” e localizada em meio à floresta do bairro Tarumã, que chega “a se confundir com o ambiente”, segundo descrição de Abrahim. “Ele tinha essa ideia de integrar a casa com a paisagem natural”, explica.
O livro resgata também uma das obras premiadas que hoje está em condição de abandono, o Centro de Preservação Ambiental de Balbina. “Ela está para cair. Aquilo é uma vergonha”, lamenta Abrahim.
Subversão
Severiano Mário Vieira de Magalhões Porto é mineiro de Uberlândia, formado pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. O primeiro contato dele com o Amazonas aconteceu em 1963, quando visitou Manaus.
Retornou dois anos depois, a convite do então governador Arthur Reis, quando foi convidado para reformar o palácio do governo e projetar a Assembleia Legislativa. Os empreendimentos não foram executados, mas ele fez outros, como uma escola de madeira pré-fabricada.
Elizabete Rodrigues de Campos diz em um texto publicado no site www.vitruvius.com.br que esta foi a primeira “subversão” de Severiano Porto e a “primeira “imersão na dimensão amazônica que, começava a entrar, pouco a pouco, na sua vida”.
Retornou dois anos depois, a convite do então governador Arthur Reis, quando foi convidado para reformar o palácio do governo e projetar a Assembleia Legislativa. Os empreendimentos não foram executados, mas ele fez outros, como uma escola de madeira pré-fabricada.
Elizabete Rodrigues de Campos diz em um texto publicado no site www.vitruvius.com.br que esta foi a primeira “subversão” de Severiano Porto e a “primeira “imersão na dimensão amazônica que, começava a entrar, pouco a pouco, na sua vida”.
Mistério
A inspiração na moradia dos caboclos amazônicos está presente em praticamente todos os trabalhos de Severiano Mário Porto. Essa concepção ecológica, numa época que pouca se falava desse tema, foi ressaltada em artigo publicado pelo arquiteto na revista Projeto 83, de São Paulo, em 1986: “Construí uma casa de madeira junto de um igarapé; na época não era costume, apenas as pessoas do povo moravam assim”, descreve Porto, a respeito de uma de suas obras.
A sua própria residência em Manaus também era de madeira, um esplêndido imóvel localizado na avenida Mário Ypiranga (ex-rua Recife). Vendida para a construtora Cristal quando Severiano foi embora de Manaus, a casa foi “desmontada” (o projeto permitia essa técnica), mas o paradeiro dos caixotes com os itens é um mistério.
Durante a apuração para esta reportagem, todas as pessoas procuradas (algumas delas citadas nesta matéria) para falar sobre o destino da casa afirmaram desconhecer onde estão os caixotes com os itens.
"O que se sabe é que com esse desmonte, o que daria para aproveitar, eram as peças de madeira e a cobertura, além da planta que permitiria a reconstrução em outro lugar. Só que há uma grande confusão e ninguém sabe onde estão”, diz Claudemir Andrade.
Planta
No blog de Claudemir Andrade, os arquitetos Zadir Araújo e Edmar Andrade (respectivamente ex-vice-presidente e ex-presidente do IBA), ao responder um post sobre o destino das peças, relatam que a casa foi desmontada pela entidade e guardada em um depósito.
Segundo Edmar Andrade, as peças (pilares, esquadrias, telhas, etc) estão em um contêiner da empresa Cristal. O IAB pretendia conseguir um terreno para a edificação, mas nunca conseguiu adquirir por causa dos custos. A troca de informações pode ser acessada no endereçowww.blogdoclaudemirandrade.blogspot.com.br.
Procurado por A CRÍTICA, Zadir Araújo conta que a casa foi mapeada e catalogada e que somente algumas estruturas (cerca de 40 itens) foram aproveitados. Para Araújo, mais do que as peças, é a planta da casa a maior relevância da obra.
“Falamos com o Severiano, anos depois, e ele disse que esse projeto foi entregue para alguém de Manaus”, conta Araújo, que demonstrou mais preocupação com o estado atual do prédio da Aldeia Infanil SOS, na Zona Oeste, e com o Centro de Preservação Ambiental de Balbina que, segundo ele, estão às mínguas.
“Na nossa e nas gestões que vieram depois, todos batalharam para montar a casa, mas nunca tivemos apoio. Espero que agora, na gestão do Clademir, isso possa ser conseguido. É uma obra, mesmo que não seja tombada, muito relevante”, diz.
Eficiência
O estudante de arquitetura e administrador de uma página sobre Severiano Mário Porto no Faceboook, Keyce Jhones, conta que, nos anos 90, chegou a visitar a casa do arquiteto. Era a época que Severiano quase não ficava mais em Manaus, segundo ele.
“A Casa era uma das mais belas obras dele, no qual se integrada completamente à natureza. Ficava em um barranco, em uma esquina na rua Recife com o Beco Luís Mendes. Era uma arquitetura simples, mas de extrema elegância por proporcionar, com técnicas simples também, toda uma eficiência de conforto ambiental”, relata.
Keyce Jhones destaca que Severiano tinha uma técnica própria de construir com a madeira, no qual adquiriu durante anos de pesquisa e trabalho sobre a resistência e uso da madeira na região.
“Ele aprendeu muito com as técnicas indígenas e caboclas a aproveitar o máximo. Desenvolveu diversas formas de encaixe de peças estruturais da edificação. O mais interessante além das técnicas construtivas, era procurar o partido arquitetônico sem destruir a vegetação natural”, conta.
Ruínas
Apaixonado pela obra de Severiano Mário Porto, o arquiteto e urbanista Marcos Costa, 40, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e da Escola São Paulo, empreendeu uma viagem de lazer a Manaus em julho do ano passado.
Curioso para ver de perto uma das obras mais celebradas de Severiano, ele viajou até a Vila de Balbina, no município de Presidente Figueiredo, e foi surpreendido pela visão de um imóvel abandonado e prestes a desabar.
Em forma de maloca indígena e toda coberto de cavacos (lascas de madeira), o Centro de Preservação Ambiental de Balbina (CPAB) foi projetado (construído em 1987) para sediar trabalho de impactos ambientais causados pela Usina Hidrelétrica de Balbina, mas sua função nunca foi adiante.
Hoje, sequer é ponto turístico devido às suas condições físicas. A visita de Marcos Costa no local é relatada em seu site, http://marcosocosta.wordpress.com, por meio do qual a reportagem chegou ao arquiteto.
“O Severiano é uma referência importante para a minha geração. Nessa época o trabalho era referência importante. Não só de ele fazer arquitetura que buscasse uma integração com o meio e o natural, mas também da arquitetura de técnicas construtivas de madeira e pela qualidade arquitetônica. Balbina foi uma obra visionária, com cobertura de cavacos de madeira. O Centro é um trabalho de altíssima qualidade. Quando cheguei lá não esperava encontrá-lo dessa forma. É de se lamentar”, conta.
Marcos Costa conta que teve informação de que o imóvel foi construído para ser temporário, mas dada a qualidade arquitetônica, ele poderia ter outra destinação e não ser abandonado à própria sorte, pois é flexível e com capacidade de ser reformado sem perda de sua qualidade.
“É uma obra premiada e uma das mais importantes do Brasil. Muito contemporânea. Tem uma cobertura plástica, irregular e sinuosa. Se a situação em que está não for interrompida, pode virar pó. Ainda mais porque é de materiais perecíveis. Por isso é preciso de cuidados especiais para ter longevidade e manutenção periódica e mais permanente. Essa situação ainda pode ser revertida”, contou.
Reconhecimento
Desapontado com o destino do Centro, Marcos dá um alerta: “Acho que o Severiano mereceria ser reconhecido como deve. O Brasil, e principalmente o Amazonas, deve muito a ele. Sua obra precisa ser reconhecida e melhor tratada”, diz.
O estudante de arquitetura Keyce Jones também lamenta o estado do Centro de Preservação Ambiental de Balbina. “É uma das mais expressivas obras dele. Hoje encontram-se completamente abandonadas e desmoronando, sem nenhum cuidado da empresa que administra o local. Talvez não haja interesse, mas que o mesmo repassasse esse importante monumento da arquitetura regional para algum órgão do Estado para que pudessem revitalizá-lo e transformá-lo em algum espaço intenso de vida, como já foi há alguns anos”, diz.
Sem recursos
Procurada para falar sobre a situação do CPAB, que é mantida pela Eletrobras Amazonas Energia, a assessoria de imprensa da empresa informou que, por conta de diretrizes governamentais, a empresa sofreu diversas reestruturações que impactaram sua gestão.
O maior reflexo foi sua restrição orçamentária, limitando a capacidade de realizar intervenções no CPAB. Uma reforma no CPAB custaria para a empresa R$ 5 milhões, no valor de hoje.
A assessoria informou que, quando foi construída, várias pesquisas foram desenvolvidas no espaço com o objetivo de minimizar os efeitos negativos da Hidrelétrica de Balbina.
O acervo arqueológico e da fauna foi retirado do CPAB e levado para uma residência na Vila de Balbina. O material de cultura dos índios Waimiri-Atroari transferido para a sede do Programa, em Manaus. As demais atividades passaram a ser desenvolvidas em outros espaços da Eletrobras Amazonas Energia. Em 2006, o local deixou de ser sede da Reserva Biológica Uatumã.
“Embora o CPAB apresente uma proposta arquitetônica arrojada, a vida útil de sua estrutura, a longo prazo, em razão do material utilizado em sua construção, por certo ficaria comprometida, em face, sobretudo da severidade climatológica”, diz nota da assessoria.
Fonte: Portal ACrítica
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