Publicado em Nexo Joana, por
08 Jul 2016.
Técnicas de design são utilizadas para definir, sem a presença de um agente de segurança, onde moradores de rua não podem dormir ou onde alguém pode se sentar
Divisões em bancos tornam impossível que se deite sobre eles, que passam a ser apelidados de “bancos antimendigos”. Aparelhos emitem sons agudos aos quais adolescentes são sensíveis, mas adultos não, são usados para espantar jovens de determinadas áreas.
Essas inovações urbanas que buscam direcionar o comportamento de parte da população fazem parte do que Selena Savic e Gordon Savicic chamam de “unpleasant design”, ou design desagradável, em uma tradução livre.
Ambos são autores do livro “Unpleasant Design”, que reúne exemplos de design, arquitetura e inovações pensadas exatamente com o objetivo de moldar o comportamento das pessoas.
“Design desagradável são coisas que funcionam bem no sentido de impedir determinados comportamentos e usos, em particular em espaços públicos. Ele sempre existiu na arquitetura”
Uma das críticas a esse tipo de design é o fato de que é mais comumente usado contra parcelas já marginalizadas da população, como pedintes, moradores de ruas, ou grupos que não são necessariamente bem vindos em todos os lugares, como skatistas. Há vários exemplos desse tipo de modificação.
“Nós chamamos [esse tipo de design] de um agente silencioso. Esses designs estão escondidos, ou não aparentes para pessoas que eles não tomam como alvo”
Exemplos de design desagradável
PROTUBERÂNCIAS CONTRA SKATISTAS
A instalação de protuberâncias de ferro em locais que poderiam ser usados em manobras de skate também é uma técnica comum.
RAMPA ANTIMENDIGO
Em 2005, a gestão do então prefeito José Serra começou a instalar rampas de concreto na passagem subterrânea que liga a avenida Paulista à avenida Doutor Arnaldo. O objetivo declarado era inviabilizar a permanência de pessoas no local, o que fez com que a iniciativa fosse batizada informalmente de “rampa antimendigo”.
“Tivemos muitas reclamações sobre assaltos no local quando o trânsito fica lento e recebemos informações de que havia um ponto de drogas ali. Por isso, estamos fechando as pontas do viaduto”
‘BANCO ANTIMENDIGO’
Reinaugurada em 2007, a praça da República, no centro de São Paulo recebeu bancos de madeira com divisórias de ferro, que impossibilitam pessoas de se deitarem sobre eles. A iniciativa também foi informalmente batizada de “banco antimendigo”, mas à época o subprefeito da Sé Andrea Matarazzo negou que houvesse a intenção de barrar a população de rua.
"[Os bancos] Foram escolhidos porque são mais adequados para a arquitetura da República"
NO RIO
Em 2009, a gestão do prefeito Eduardo Paes também instalou divisórias em bancos de praças como parte de medidas para remover mendigos de determinadas regiões do Rio de Janeiro.
PARALELEPÍPEDOS ‘ANTIMENDIGO’
Em 2014, a prefeitura de São Paulo instalou45 canteiros de paralelepípedo ao redor de pilastras da linha 1-azul do metrô na avenida Cruzeiro do Sul, no bairro de Santana, na zona norte da cidade. Moradores de rua costumavam dormir no local. Eles foram dispostos com espaços entre um e outro, de forma que deitar ou mesmo ficar em pé sobre eles é difícil. Por isso, foram apelidados de ‘paralelepípedos antimendigo’.
A administração do prefeito Fernando Haddad negou, na época, a intenção de remover moradores de rua, e afirmou que os paralelepípedos têm o objetivo de evitar que sejam acesas fogueiras no local, que poderiam prejudicar as pilastras. Declarou, ainda, que 450 moradores de rua foram abordados, dos quais 429 teriam aceito encaminhamento para os serviços de atendimento.
CAMDEN BENCH
Um outro exemplo de banco ‘antimendigo’ no Reino Unido é o Camden Bench, instalado em 2014, em Londres. Ele tem curvas que tornam difícil se deitar sobre ele. Ele também impede o uso do skate, e não tem reentrâncias onde seria possível esconder drogas, afirma o fabricante.
TRANSPORTE
Entre as décadas de 30 e 50, o engenheiro norte-americano Robert Moses exerceu grande influência sobre o urbanismo de Nova York. Hoje, ele é acusado de ter repensado a cidade de forma a privilegiar o automóvel e as classes mais ricas. Um exemplo de design desagradável aplicado por Moses na época é a construção de pontes baixas sobre estradas em Long Island.
A medida barrava a passagem de ônibus e impedia que a população mais pobre - e negra - da cidade chegasse à praia, que ficava reservada para a elite dona de automóveis.
LUZ AZUL
Algumas cidades com usuários de drogas injetáveis instalaram luzes azuis em banheiros públicos. Como a luz torna mais difícil enxergar as veias, ela em tese inibiria o uso da droga.
SOM ANTI-ADOLESCENTES
Está à venda no mercado um aparelho que emite sons em alta frequência, particularmente sensível aos ouvidos de adolescentes. Ele é vendido como ferramenta para espantar jovens de determinados locais, como estacionamentos de lojas de conveniência, por exemplo, sem que seja necessário incomodar clientes adultos.
Design não resolve problemas da sociedade
A crítica a esse tipo de design é que, em vez de lidar com problemas da sociedade, ele simplesmente os move de lugar. Os moradores de rua, por exemplo, deixam de dormir embaixo do viaduto, ou nos bancos de uma praça, mas continuam existindo.
Nesse sentido, essa modalidade de design promove uma melhora aparente, mas serve como ferramenta de segregação, ampliando o debate sobre quem tem direito à cidade.
“[Banco ‘antimendigo’] é uma medida inócua, porque o mendigo que dormiria naquele banco vai dormir no chão, embaixo do banco, sem que isso contribua em nada para resolver o problema. É preciso ter uma política para esse caso, porque são casos muito diversificados. Não adianta ficar espantando o mendigo de uma praça porque ele vai para outra, e é uma pessoa que tem o direito de ir e vir, não pode ser presa por existir.”
GERALDO TADEU MONTEIRO
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em entrevista concedida em 2009 ao portal UOL
Segundo Selena Savic, o problema é agravado pelo fato de que, por fazer parte da própria estrutura das cidades, esse design não é negociável, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a atuação de guardas em determinada região.
Fonte: Nexojornal
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